Uma boca, dois ouvidos!

Por Cândida Inthurn.

Tenho fixado no mural, ao lado da minha mesa de trabalho, um artigo de Betty Milan, colunista da revista Veja, intitulado “Nem tudo se pode ver, ouvir e dizer”. O artigo é de Janeiro de 2011 e o papel já está amarelado pelo tempo. Mudei de sala há um tempo, e o artigo foi carregado comigo, como um “guia espiritual”.

Quando li este artigo pela primeira vez, pensei: “Como gostaria de colocar as palavras de Betty em prática”. E em seguida: “Como é difícil, tantas vezes impossível, controlar-se diante de “egos inflados” e do convívio com vaidades, prepotência, arrogância, mania de grandeza de alguns e pobreza de espírito de tantos outros.

Betty Milan tem razão: “Egos inflados estão em toda parte e a luta contra eles não leva a nada. Evitar a luta de prestígio é um bem que nós fazemos a nós e aos outros.”

Já vivenciei alguns bons estragos por “falar demais”. Estragos pessoais e profissionais. Meu “nível de tolerância” é menor que o da maioria das pessoas e isto me faz falar o que não devia, na hora errada e de maneira inapropriada. Meus rompantes de indignação e raiva não ajudam a resolver situações de conflito. Aliás, apenas exacerbam aquilo que já está acontecendo. E isto não é bom. Por isso, tenho o artigo de Betty perto de mim, me fazendo companhia todos os dias. O correto seria lembrar das palavras de Betty segundos antes de uma “situação de perigo” e aí, respirar fundo, uma, duas, três vezes, contar até mil, e com calma, apenas ouvir ou falar o necessário e não disparar minha “metralhadora de palavras” contra tudo e contra todos. Mas nunca lembro da Betty Milan nestas horas Ou quase nunca.

Sinto que tenho um longo caminho a percorrer. Mas não estou sozinha! Por outro lado, vejo também o contrário: pessoas que nunca se posicionam, não mostram sua opinião, não se envolvem. Não falam nada, nunca. Mas em suas cabeças deve haver alguma ideia, opinião, crítica, julgamento e, muito provavelmente, algo interessante a compartilhar. Aí, neste ponto, não sei o que é pior: falar muito ou omitir-se totalmente. O melhor, sem dúvida, é o equilíbrio sempre.

Participei recentemente de um excelente Workshop sobre SPIN Selling promovido pela WK, empresa em que trabalho e que está investindo pesado em estratégias voltadas à Vendas Complexas. Paulo Brandão, consultor e especialista da Huthwaite empresa que criou a metodologia Spin Selling, comentou no início da palestra: “Devemos OUVIR O CLIENTE. Isto significa UMA BOCA e DOIS OUVIDOS”. Achei muito interessante e fiquei “matutando” com meus botões: “será que é por isso mesmo que temos somente uma boca e dois ouvidos: para falar menos e ouvir mais? Quanta coerência na anatomia humana!”

Os chineses, através da representação dos três macaquinhos – o cego, o surdo e o mudo (Mizaru, Kikazaru e Iwazaru) – nos ensinam a não enxergar tudo o que vemos, não escutar tudo o que ouvimos e não dizer tudo o que sabemos. Em resumo, nos ensinam a SELECIONAR e a CONTER-SE.

Trazendo estes ensinamentos para o lado empresarial, e para as negociações do nosso dia a dia, em uma visita ao cliente devemos nos preparar muito mais para OUVIR do que para FALAR. Interessante que na maioria das vezes nos preparamos para fazer exatamente o contrário: nos preparamos para falar. Falar sobre como é a nossa empresa, os produtos e serviços que comercializamos, os recursos e funcionalidades que temos disponíveis, os preços e condições de pagamento. Falar muito! Falar sem parar! Falar feito “tagarelas”!

Não há maneira mais eficaz para se conhecer as necessidades e demandas do cliente, ouvindo o que este tem a dizer sobre a sua empresa, seus processos, as dificuldades no seu dia a dia de trabalho. É certo que vendedores, naturalmente, tem a tendência a falar mais e ouvir menos, mas com um pouco de disciplina e boa vontade é possível reverter este quadro. O resultado positivo será comprovado na prática com informações mais consistentes e análises de requisitos e aderência muito mais completas.

Quanto ao artigo da Betty Milan, este continua fixado no mural, ao lado da minha mesa. Eu sei das minhas vitórias e quantas vezes a “metralhadora de palavras” desejou sair em disparada, mas foi contida a tempo! O gostinho da vitória é sempre bom! E é isto que me faz continuar tentando usar cada vez menos a minha boca e mais meus dois ouvidos…

 

Fonte: WK

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